segunda-feira, 22 de março de 2010

Luiz Alves


Artesanato em argila


Trevas.

O espírito de Deus,
No vazio do abismo,
Espreita o caos
E boceja seu tédio.

Há que se criar!

E vem a luz...
O firmamento...
Mares...
Bichos...

Mas falta a obra-prima:
O Rei da criação!
E Deus,
Dispensando magia,
Lambuza-se de terra.

Na divinal lambança
Semelhanças divinas
Ao barro empresta.
E em brisa a vida lhe sopra.

Deus,
No instante maior,
A massa amassa
E se faz artesão.

O artesão,
Criatura a criar,
Na lida com o barro
Se faz criador.



 
Artesanato em Pano e Esponja


É ir juntando
Retalhos, esponjas...

E ata, desata,
Une, desune,
Amarra, desamarra,
Pinta, repinta.

De repente,
Salta à nossa frente
Um cachorrinho serelepe,
Um cordeirinho inocente,
Um manhoso gatinho...

E ali,
Naquele cantinho,
Cercado de bichos,
E dos cuidadosos olhos
De José e de Maria,
Um menininho nasce
Em pano e esponja.

E com Ele a esperança
De que um dia aprendamos
Que a beleza mora
Em escondidos detalhes.
E que delícia mesmo
É saber sentir
As coisas mais simples.



Bolsas em couro


Eu,
Triste mortal,
Vejo no couro
Apenas o ouro.

Para o artesão,
O couro não só impede
Que o boi se derrame.

Não é mais o couro
Só o invólucro do boi.
Há na rudeza da pele
Possibilidades fidalgas.

E cortam aqui...
Raspam ali...
Alinhavam...
Afivelam...
Ponteiam...

E o couro
Vira bolsa,
Vira arte,
Vira outra coisa.

O couro
Vira ouro.



 
Bolsas


Pano, linhas, contas...
Batom, pincel, cartão...
Moedas espalhadas...
Mais coisas que guardam coisas...
Foto antiga...
Ah! , e aquela carta...

Bolsa.
A bolsa ou a vida?

O artesão,
Na maestria e no gosto do que faz,
Guarda a ciência de que,
Para a mulher,
A bolsa é vida.



Cabaças


As cabaças
Dormem o sono
Do dever cumprido.

Foram semente,
Espalharam-se em ramas,
Efloresceram-se,
Por fim realizaram-se no fruto.

Ciclo findo,
Ali estão,
Mortas.

Mas
A artista
Sacode-as do sono,
Arrebata-as à vida.

No ritmo da batuta de seus pincéis
Elas se fazem bailarinas.
E rodopiam,
E valsejam,
E bailam a colorida dança da
Vida.



Colares


Pescoço!

Diante de palavra tão feia
A pena do poeta vacila
E se queda,
Impotente e ofegante.

Mas
Basta orná-lo de generosas fitas,
Coloridos panos,
Ajeitar tudo de um modo que é todo sensibilidade
(Assim como só o artesão sabe fazer)
E o pescoço
Deixa de ser o feio nome
Do segmento que liga a cabeça ao tórax
Para se tornar aquele pedacinho de sedução
A provocar ternuras,
Afagos,
Carícias.
Abismos.
- Quem sabe poesia.



Fuxicos


Não o fuxico
Por trás das portas,
Da janela entreaberta,
De olhares esquivos,
De aviltantes cobiças.

Mas o fuxico
Da costura à mão,
Lembrança miudinha
Do cheiro de infância,
Do colo de mãe.

O fuxico
Tecido ao luar,
Ao fogo de lenha,
Ao sossego das tardes,
Embalado em cantigas.

O fuxico
Cutuca memórias,
Ri do moderno.
E diz que o gostoso
É ser, mesmo,
Eterno.

 

Imagem em Gesso


O branco do gesso impõe
Imaculadas santidades.
É arte e fé.

Nas cores,
Nas sombras e luzes,
Do gesso escorre a fé.
Do ofício escore a vida.

O artista
Imprime no gesso
A candura das vestes,
Os olhares benditos.

Os pincéis deslizam
Entoando ladainhas.

É arte
Que fortalece os homens,
Enriquece sentimentos,
Transforma o mundo,
Multiplica a fé.

 


Ourivesaria

           “Venho pedir-lhe de ter a bondade de comprar e mandar-me 5 pares de botões feitos por ourives de Sabará, com sementes vermelhas e pretas, como já comprei quando estive lá. Creio que custam 3$000 o par. Peço-lhe que mande dizer o  que lhe deverei para que lhò remeta. Receba, assim como sua família, nossas lembranças.
Seu afeiçoado,
Pedro de Orleans e Bragança.

(Carta enviada por D. Pedro II a uma autoridade sabarense logo após a sua visita a nossa cidade em 1881)

Majestade,
Nem sabemos
Se vosso pedido
(Ou vossa ordem)
Foram atendidos.

Mas e vos informo
- Seja onde estiverdes –
Que nossa arte persiste
E está a vosso dispor.

Resgatamos nossa habilidade.

Temos de novo na alma
O amarelo do ouro,
A brancura da prata
E a terna capacidade
De transformá-los na arte que,
Para nossa honra,
Tanto encantou
Vossa nobre
Sensibilidade.




Palha de bananeira


Para os que só enxergam
O que se vê
A bananeira
Se esgota no cacho.

Em pencas é findo o seu labor.
No apanhar e degustar dos frutos
Os gestos que a condenam
À pena capital.

Um corte
Decreta-lhe
A morte.

Mas o artista vê,
Na bananeira,
Muito mais que o banal,
Não só a origem
Do mesquinho sustento.

Os olhos do artista
Delicadezas descobrem

Da secura das palhas,
Da folha que morre,
Faz viver a beleza
Que só alma enxerga,
Que só o espírito alcança.




Palmas Barrocas


Merecem palmas
As sensíveis damas
Que no tempo mergulham
E resgatam dali
Coisa tão nobre.

Não invejo o poeta,
Sabiás e palmeiras,
Pois de palmas,
Bem barrocas,
Fina arte aqui se faz.

E que é nossa,
Barrocamente nossa,
Unicamente nossa,
Sabarensemente nossa.

As mulheres desta terra
Imergem-se
Num tempo de ouro e fé
E de lá arrancam,
Com mãos de magia,
A beleza
Quase perdida.

E a arte então rebrota,
Com vigor e suave enleio,
Da delicada alma
Das mulheres sabarenses.




 
Renda Turca


Linha e agulha
Em sua turca mesmice
Repetem histórias
De mil e uma noites.

Mas a agulha se sente tão pulha...
E a linha não mais se alinha...

E decidem buscar
Jeito novo de andar.
Um passear diferente,
Um variado caminhar.

E trocam tamareiras,
Por jabuticabeiras.
Peregrinas areias,
Por férreas montanhas.
E o Kaquende elegem
Ao tórrido oásis.

Linha e agulha se rendem
Às rendeiras daqui.

Num jeitinho bem nosso,
Em mineiros volteios,
Redesenham caminhos,
Outros rumos assumem.

E em mãos sabarenses
Vêm contar nova história.




                                                                                                                                  Luiz Alves

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