Artesanato em argila
Trevas.
O espírito de Deus,
No vazio do abismo,
Espreita o caos
E boceja seu tédio.
Há que se criar!
E vem a luz...
O firmamento...
Mares...
Bichos...
Mas falta a obra-prima:
O Rei da criação!
E Deus,
Dispensando magia,
Lambuza-se de terra.
Na divinal lambança
Semelhanças divinas
Ao barro empresta.
E em brisa a vida lhe sopra.
Deus,
No instante maior,
A massa amassa
E se faz artesão.
O artesão,
Criatura a criar,
Na lida com o barro
Se faz criador.
Artesanato em Pano e Esponja
É ir juntando
Retalhos, esponjas...
E ata, desata,
Une, desune,
Amarra, desamarra,
Pinta, repinta.
De repente,
Salta à nossa frente
Um cachorrinho serelepe,
Um cordeirinho inocente,
Um manhoso gatinho...
E ali,
Naquele cantinho,
Cercado de bichos,
E dos cuidadosos olhos
De José e de Maria,
Um menininho nasce
Em pano e esponja.
E com Ele a esperança
De que um dia aprendamos
Que a beleza mora
Em escondidos detalhes.
E que delícia mesmo
É saber sentir
As coisas mais simples.
Bolsas em couro
Eu,
Triste mortal,
Vejo no couro
Apenas o ouro.
Para o artesão,
O couro não só impede
Que o boi se derrame.
Não é mais o couro
Só o invólucro do boi.
Há na rudeza da pele
Possibilidades fidalgas.
E cortam aqui...
Raspam ali...
Alinhavam...
Afivelam...
Ponteiam...
E o couro
Vira bolsa,
Vira arte,
Vira outra coisa.
O couro
Vira ouro.
Bolsas
Pano, linhas, contas...
Batom, pincel, cartão...
Moedas espalhadas...
Mais coisas que guardam coisas...
Foto antiga...
Ah! , e aquela carta...
Bolsa.
A bolsa ou a vida?
O artesão,
Na maestria e no gosto do que faz,
Guarda a ciência de que,
Para a mulher,
A bolsa é vida.
Cabaças
As cabaças
Dormem o sono
Do dever cumprido.
Foram semente,
Espalharam-se em ramas,
Efloresceram-se,
Por fim realizaram-se no fruto.
Ciclo findo,
Ali estão,
Mortas.
Mas
A artista
Sacode-as do sono,
Arrebata-as à vida.
No ritmo da batuta de seus pincéis
Elas se fazem bailarinas.
E rodopiam,
E valsejam,
E bailam a colorida dança da
Vida.
Colares
Pescoço!
Diante de palavra tão feia
A pena do poeta vacila
E se queda,
Impotente e ofegante.
Mas
Basta orná-lo de generosas fitas,
Coloridos panos,
Ajeitar tudo de um modo que é todo sensibilidade
(Assim como só o artesão sabe fazer)
E o pescoço
Deixa de ser o feio nome
Do segmento que liga a cabeça ao tórax
Para se tornar aquele pedacinho de sedução
A provocar ternuras,
Afagos,
Carícias.
Abismos.
- Quem sabe poesia.
Fuxicos
Não o fuxico
Por trás das portas,
Da janela entreaberta,
De olhares esquivos,
De aviltantes cobiças.
Mas o fuxico
Da costura à mão,
Lembrança miudinha
Do cheiro de infância,
Do colo de mãe.
O fuxico
Tecido ao luar,
Ao fogo de lenha,
Ao sossego das tardes,
Embalado em cantigas.
O fuxico
Cutuca memórias,
Ri do moderno.
E diz que o gostoso
É ser, mesmo,
Eterno.
Imagem em Gesso
O branco do gesso impõe
Imaculadas santidades.
É arte e fé.
Nas cores,
Nas sombras e luzes,
Do gesso escorre a fé.
Do ofício escore a vida.
O artista
Imprime no gesso
A candura das vestes,
Os olhares benditos.
Os pincéis deslizam
Entoando ladainhas.
É arte
Que fortalece os homens,
Enriquece sentimentos,
Transforma o mundo,
Multiplica a fé.
Ourivesaria
“Venho pedir-lhe de ter a bondade de comprar e mandar-me 5 pares de botões feitos por ourives de Sabará, com sementes vermelhas e pretas, como já comprei quando estive lá. Creio que custam 3$000 o par. Peço-lhe que mande dizer o que lhe deverei para que lhò remeta. Receba, assim como sua família, nossas lembranças.
Seu afeiçoado,
Pedro de Orleans e Bragança.”
(Carta enviada por D. Pedro II a uma autoridade sabarense logo após a sua visita a nossa cidade em 1881)
Majestade,
Nem sabemos
Se vosso pedido
(Ou vossa ordem)
Foram atendidos.
Mas e vos informo
- Seja onde estiverdes –
Que nossa arte persiste
E está a vosso dispor.
Resgatamos nossa habilidade.
Temos de novo na alma
O amarelo do ouro,
A brancura da prata
E a terna capacidade
De transformá-los na arte que,
Para nossa honra,
Tanto encantou
Vossa nobre
Sensibilidade.
Palha de bananeira
Para os que só enxergam
O que se vê
A bananeira
Se esgota no cacho.
Em pencas é findo o seu labor.
No apanhar e degustar dos frutos
Os gestos que a condenam
À pena capital.
Um corte
Decreta-lhe
A morte.
Mas o artista vê,
Na bananeira,
Muito mais que o banal,
Não só a origem
Do mesquinho sustento.
Os olhos do artista
Delicadezas descobrem
Da secura das palhas,
Da folha que morre,
Faz viver a beleza
Que só alma enxerga,
Que só o espírito alcança.
Palmas Barrocas
Merecem palmas
As sensíveis damas
Que no tempo mergulham
E resgatam dali
Coisa tão nobre.
Não invejo o poeta,
Sabiás e palmeiras,
Pois de palmas,
Bem barrocas,
Fina arte aqui se faz.
E que é nossa,
Barrocamente nossa,
Unicamente nossa,
Sabarensemente nossa.
As mulheres desta terra
Imergem-se
Num tempo de ouro e fé
E de lá arrancam,
Com mãos de magia,
A beleza
Quase perdida.
E a arte então rebrota,
Com vigor e suave enleio,
Da delicada alma
Das mulheres sabarenses.
Renda Turca
Linha e agulha
Em sua turca mesmice
Repetem histórias
De mil e uma noites.
Mas a agulha se sente tão pulha...
E a linha não mais se alinha...
E decidem buscar
Jeito novo de andar.
Um passear diferente,
Um variado caminhar.
E trocam tamareiras,
Por jabuticabeiras.
Peregrinas areias,
Por férreas montanhas.
E o Kaquende elegem
Ao tórrido oásis.
Linha e agulha se rendem
Às rendeiras daqui.
Num jeitinho bem nosso,
Em mineiros volteios,
Redesenham caminhos,
Outros rumos assumem.
E em mãos sabarenses
Vêm contar nova história.
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