terça-feira, 23 de março de 2010

Luiz Alves Religiosidade Sabarense


Corpus Christi


Um Deus vai passar.

Na madrugada fria
Mãos artistas trabalham escondidas.
E em flores e serragens coloridas
Os tapetes desenrolam
Ante o pasmo dos casarões.

Amanhece.
O sol se atreve a descobrir o olho
Dando luz ao cenário estupendo.
As janelas vão se abrindo em flores, sedas e bordados.

Vem a procissão,
Escorrendo em deslizar suave.
Opa vermelhas, sons festivos, os altares, os incensos...
Todas as glórias ao ilustre passante.

Depois
O vento insensível,
Os carros afoitos,
E o tapete se vai...

Mas fica a certeza da homenagem que se fez na madrugada inteira
E se eternizou naquele curto e intenso momento
Em que o Mistério,
Transmudado em vinho e pão,
Pisou a piedosa poesia dos tapetes sabarenses. 



Mês de Maio


Rosa mística, Casa de Ouro tu não és.
Graça Plena, a Escolhida não és também.
A Bendita, Estrela Guia, Mãe Celeste,
Neste maio nada disso te vai bem.

És em maio a criança que um dia
De Santana as lições colheu radiante.
E tu brincas, tão humana, tão menina,
As gostosas brincadeiras da infância.

Brancas vestes hoje inundam o teu trono.
Sabarenses te convidam a brincar.
São crianças, o melhor da raça humana.
Vem, Maria, desce aí do teu altar.

Rodopia a ciranda em meio a elas,
Esquece o mundo, Serva Humilde, e vai dançar.
Aproveita e põe na roda o teu Menino.
Mãe-criança, vamos todos cirandar.




Semana Santa


Os sonoros sinos em plangência secular
São os sinos mesmos de uma infância envelhecida.
O cheiro que o manjericão asperge a esmo
Conta perfumes de saudosa meninice.
As notas tristes desta banda que comove
Tocam a rilha de um filme antigo e bom.

E a procissão arrasta a alma emocionada.

A Mãe das Dores chora a dor dos torturados.
Madalena expõe infames preconceitos.
E o Cordeiro, inocente, ensangüentado,
Vai sereno a cumprir o seu trajeto,
Perpetuando-se no tempo e nas vidas.

E a gente cresce,
Ganha óculos e gravatas.
Mas não esquece o incenso,
O roxo,
A paixão,
O chiar dos sabarenses passos nas pedras das ruelas.

E a cada ano,
Batendo no peito,
Reescrevemos a mais dolorosa.

                                                                                     Luiz Alves


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