Amêndoas
Da terra tirado em cores grosseiras,
O rude amendoim ao tacho é lançado.
E a mão inicia o duro trabalho
Do mexe e remexe.
Sofrida tarefa.
-Purificação.
O fogo severo, em rigor purgatório,
Crepita constante e a semente faz pura.
Por fim o açúcar, em canônica unção,
Em abraço contrito a amêndoa embranquece.
E em maio é levá-la à alvejante pureza
De tenras crianças
Que a Virgem coroam.
O branco sem manchas da alma da Virgem,
A candura sonora das vozes meninas,
E a alvura perfeita da amêndoa cheirosa
Igualam-se em afetos.
-São uma só coisa.
Bolo de Feijão
Amassar, com mão forte,
A massa do grão arrancada.
Violentá-la de gestos bruscos.
Espancá-la com fortes rigores.
Humilhar a pastosa teimosia
Em palmadas dizer-lhe quem manda.
E a massa.
Em cheirosas ardências,
Destila o seu ódio
Em picante vingança.
Guerra finda,
Paz definida,
Mãos de afagos dão forma,
Ao salgado delícia que,
Ao fogo de lenha,
Vai se espraiando
Em chiantes ardores.
Café colonial
Acordar
Meio que bandeirante.
De chapelões e botas a alma vestir.
Partir para a mesa, desbravador audaz,
No pilar do pilão, cafezinho cheiroso,
Rico ouro apurar
E garimpar, no pão de queijo,
A prata escondida nas serras luzentes.
No sonho, doçura branquinha,
No céu da boca sumir,
Evocar o insano sonho da esmeralda impossível.
No leite, vaquinha, estábulo,
Sofrida vida vaqueira,
Ver o diamante brilhar em leitosas transparências.
Em sabores e cheiros gerais
Batear as riquezas de Minas,
Fartar-se de tradições,
Encher a pança de história.
Então, com nobreza, sabarensemente,
Saudar o dia e a vida.
Fubá de moinho d’água
Desliza o suave regato
Abrindo os caminhos mais frios,
Folgando em pedras e galhos
Em busca do velho moinho.
O seu desaguar gira a pedra,
Que acolhe o trêmulo milho.
E a mágica poerinha amarela
Mãos dóceis recolhem em cuidados.
Ao calor do bom fogo a lenha
Cresce e pega corzinha morena.
E em broa, biscoito e pão.
Transmuda-se o humilde fubá.
... e o cheirinho evocando infâncias.
...e o gostinho gritando: saudade.
Juca Doceiro
Antes que o burrinho,
No lombo cansado,
Da roça o gostinho ofereça,
O leite ao doce se faz
Em sua e calado processo.
Lá no tacho
Em fogo macio,
Rodopia dolente
Pacientes voteios.
A imensa colher
Não se cansa da faina,
Da fadiga dos giros
-Filosófica espera.
E o leite se engrossa
Em pasta mulata,
Brasileira e matuta,
Cheirando a sertão.
(A tal terra prometida
Onde correm leite e mel
É a rocinha do caipira,
Antessala do céu.)
Licor de Jabuticaba
Recolher,
Com piedosa paciência,
A pretinha apressada,
A frutinha veloz.
Esmagá-la com jeito
Fervê-la com calma..
Em sossego lançá-la
Ao exílio das pipas.
E o caldo adormece
Frutinha pastosa
Pra depois despertar
Cristalino licor.
Ora-pro-nobis
Malvadeza tombar a mata,
Fazê-la pasto,
De bois enchê-la
Para imolá-los
À animal ganância
Prefiro a planta
Que, além da cerca
De que se faz
A proteger-nos,
É alimento.
Com o gado concorre
Em rival nutrição.
Ave, plantinha santa
Que, com espinhos
Em forma de prece,
Ajoelha-se em ramas
Rezando por nós.
Ave, sacra plantinha.
Ora-pro-nobis,
Pecadores famintos,
Imerecedores de teu verdejante
E robusto sabor.
Pastel de barraquinha
Reza boa
Se faz com as mãos.
Mãos esculpem imagens,
Acodem doentes
Os pobres amparam.
E há mãos
Ungindo a farinha que chia e explode
Em carnes e queijos.
Mãos que o trigo abençoam,
Gerando milagre
Ao torná-lo pastel.
Pastel milagroso
Que ergue paredes,
Telhados conserta,
Igrejas restaura.
Mãos
Na massa.
Em gostosa alegria
De quem faz por Deus.
Trem bão, sô!
Acordar meio que bandeirante, partir para mesa em barroco apetite.
Chapelão enterrado e bota pra cima dos joelhos,
Começar a garimpagem:
Café com leite cheirando a fazenda.
Bolinho de feijão em ardência doçura.
E o pão de queijo.
Aquele pastelzinho também vai.
Tem broinha de fubá, biscoitinho bem mulato?
Tem, e demais da conta.
E esperar a hora do almoço, que ninguém é de ferro.
Meio-dia e a barriga lá na cacunda.
Humm... linguicinha com jeito sítio.
Covardia o franguinho caipira com ora-pro-nobis.
Sobremesa?
Docinho de leite que veio no lombo do santo burrinho.
Aquela amêndoa recendendo pureza.
Como deixar escapar o licorzinho de jabuticaba!?
E chega!
Fartos de tradições, pança cheinha de História, agora é só sair a passear as barroquices desta cidade abençoada.
(Ah!, falta a pinguinha adormecida nos tonéis do Pompéu. Esquecer é pecado. Mortal! É beber e estalar a língua.)
Pronto.
E agora?
É sair por aí e ser feliz.
Luiz Alves
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